domingo, 13 de março de 2011

Delação: a hora de despertar

No início dos anos noventa, mediante consulta de um colega freqüentador de Brasília, precisei fazer um estudo sobre a delação, sob o ponto de vista legal, e seus possíveis efeitos enquanto artigo passível de sustentar conjunto probatório com força suficiente para fundamentar condenação penal.

Ontem à noite, após receber um link de revista semanal com mais uma delação (divulgação de fita de parlamentar recebendo dinheiro vivo em época de campanha eleitoral) e, em função da mesma, toda uma série de opiniões legais que tenho dado sobre o tema (já costumeiramente a colegas, tais como a do caso do irmão do ex-Presidente, do ex-caixa da empreiteira, da ex-secretaria do publicitário, do ex-sócio do banqueiro, dentre tantos outros) ter me voltado à mente, atinei para um fato alarmante que me enseja a emitir um outro alerta legal.

Trata-se do hábito, que está se cristalizando como regra geral nos Poderes Públicos, de desperdiçar imensos recursos e causar sério dano ao erário, a partir da utilização de provas obtidas por meio ilícito para iniciar ou tentar dar sustentação legal a processo. E diz-se “meio ilícito” porque dificilmente a delação poderá, no âmbito processual, ser considerada como meio lícito para obtenção de provas.

E isto se dá em decorrência da própria Constituição Federal que, em seu artigo quinto, torna invioláveis a intimidade e a vida privada do cidadão e, portanto, inutilizáveis pelo poder público a revelação de seus segredos.

Com efeito, o parágrafo único do artigo quito da Carta da Primavera, como é chamada a Constituição, diz que todos os direitos ali expressos, dentre outros, “têm aplicação imediata”, valendo dizer que não dependem de regulamentação, nem de interpretação, devendo o texto constitucional ser interpretado e utilizado na forma como está escrito, pelo entendimento que enseja ao cidadão comum.

Ora, o inciso décimo deste artigo diz claramente que a intimidade e a vida privada do cidadão são invioláveis E O PRÓPRIO TEXTO NÃO ABRE QUALQUER EXCEÇÃO (coisa que já não acontece com o inciso décimo segundo). Assim as únicas possibilidades de utilização dos elementos da intimidade e da vida privada do cidadão contra ele mesmo, enquanto provas no processo, são aquelas advindas da sua própria vontade (confissão espontânea) ou como frutos de legítima investigação penal que não macule os princípios aos quais está afeta (quer Constitucionais, Penais ou procedimentais).

E, em sintonia com este entendimento, está o que vem disposto no Código Penal, enquanto tipificação de seu artigo 154, na medida em que expressa que é crime a revelação de segredo, sem justa causa, obtido por ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão.

No caso destas fitas que estão vindo a público (sabe-se lá a serviço do que ou de quem) TODAS FORAM OBTIDAS EM RAZÃO DA FUNÇÃO QUE O DELATOR EXERCIA COM RELAÇÃO A TODAS AS PESSOAS DELATADAS.

Já com relação à justa causa da revelação, é inimaginável que a Justiça Brasileira (por sua jurisprudência e tradição) aceite que o proveito pessoal (quer no caso de tentativa de extorsão, vingança ou benefício de redução de pena, ou qualquer outro fim covarde, egoístico ou, de qualquer forma, de teor reprovável, valendo dizer, em desacordo com os princípios vigentes na Ordem Pública) aceite como legítima, principalmente em sede da Corte Constitucional (STF), qualquer manifestação neste sentido que não tenha suporte nos princípios atinentes ao livre exercício da cidadania plena. Coisa que, pela conduta do delator neste caso (amealhar poder e riqueza em função dessas fitas, promover ameaças para aumento de seu poder podre e de sua influência nefasta junto ao Poder Público), não se pode vislumbrar a menor possibilidade de existir.

Daí porque se poder afirmar, com certa tranqüilidade, que cada revelação de segredo, pela exposição de tais fitas a quem quer que seja, se constitui numa infração penal por parte do tal delator (ou de quem as revelar), tornando o efeito desta revelação (a ciência da autoridade) absolutamente inutilizável no processo.

Somando-se a isto a Teoria dos Frutos da Árvore Proibida, em pleno uso e gozo pelo Supremo Tribunal Federal, todos os esforços processuais e procedimentais (em qualquer dos Poderes da República) SÃO NULOS DE PLENO DIREITO POR VÍCIO INSANÁVEL DE ORIGEM.

E, para concluir, deixo em aberta a questão de até quando o ofendido, nesses casos, vai se desinteressar pela Representação Penal por eventual prática do crime previsto no artigo 180 do Código Penal (receptação), dentre outros, contra quem usa, para qualquer finalidade, os segredos revelados.

Saudações, João